Rio de Ferro
Texto de Dico Kremer

"…a mode of truth, not of truth coherent and central, but angular and splintered." De Quincey: writings, XI, 68.

Com “Trilhos”, seu novo trabalho fotográfico, Mariana Canet trilha outro caminho. Depois de “Reflexos”, “Abstrato” e “Natureza”, neste a artista utiliza a fotografia para criar imagens com várias fotos. A partir de colagens que fez manualmente e que resultaram em seis quadros, em “Trilhos” utilizou o computador para fazer as colagens/montagens.

Como num rio, com a sua mão única, da nascente até a foz, aqui temos uma via de ferro com duas direções, ida e volta. Um eterno retorno, como no símbolo do infinito. Interações, repetições, inversões, distorções e as ausências de imagem que remetem ao fundo dos quadros em que trabalhou anteriormente: o preto, o branco e o cinza.

No dizer de Charles Sanders Peirce: “Nada é um signo, a menos que interpretado como um signo.”

Os trilhos são os objetos da fotografia, sendo esta um ícone (imagem) ou mesmo um índice na classificação de Peirce. E na montagem com várias fotos, um símbolo quanto ao objeto que traz, também, a ideia de um tempo circular, que remete a labirintos borgeanos, a uma infinitude, à doutrina dos ciclos e de sua refutação, segundo Jorge Luis Borges.

Imagens que remetem a metáforas e que, de acordo com o repertório de cada um, podem trazer vários significados. “No livro III da ‘Retórica’, Aristóteles observou que toda a metáfora surge da intuição de uma analogia entre coisas diferentes;” (J.L.B). A partir desta constatação pode-se ir às mais diversas leituras e seus significados. Significados estes que se complementam ou, ao contrário, se excluem. A bagagem cultural de cada um, a sensibilidade para as formas, a maneira de olhar e de interagir com a arte faz de cada pessoa um observador e, ao mesmo tempo, um partícipe da criação com a interpretação que faz da obra.

Neste livro, como obra acabada, Mariana constrói quatro fases. Começa com a terceira e vai até a que nomeia de zero. De uma primeira montagem, a seguinte seria uma variação da primeira, um segundo movimento, como em uma obra musical. A surpresa está nas duas fases finais. Que poderiam, inversamente, começar o livro. Uma leitura circular. Como o “Finnegans Wake”, de James Joyce ou na tradução brasileira de Donaldo Schüler, “Finnicus Revém”. Ou como num perpetuum mobile. Na fase 1 vemos fotografias de equipamentos de estrada de ferro em planos aproximados que são uma parte de uma peça inteira e a descaracterizam. Na fase 0, a velocidade, o movimento, a paisagem sem detalhe dão lugar à abstração.

A epígrafe com a citação de De Quincey tirei da abertura de um livro de Jorge Luis Borges, “Evaristo Carriego”, de 1930.

Não teremos muita perda de sentido se substituirmos a palavra truth por sight.

Dico Kremer, abril de 2019